terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Dercy Gonçalves:O que você não viu na Minissérie

no inicio da carreira

Dercy Gonçalves, que recentemente, foi homenageada pela Rede Globo, na minissérie "Dercy de Verdade", protagonista de uma carreira repleta de tropeços e recomeços, de rejeição e de muita alegria, e carisma que ela sempre carregou.

Dercy ficou com marcas eternas da rejeição que sofreu na sua cidade, em vários momentos da sua vida.
A sua história coincide com toda a história recente do país, afinal, quando nasceu, em 1907, vivíamos a república do café-com-leite e Machado de Assis ainda era vivo.

Sua arte enfrentou duas ditaduras, a de Getúlio e a dos militares, e suas respectivas formas de censura. Morreu no governo Lula, em um mundo completamente transformado.

Não é exagero dizer que ela própria sintetiza a trajetória do povo brasileiro, uma cidadã de baixa formação, que só chegou a cursar o primário, porém que muito aprendeu na prática, na luta por sobrevivência, e driblou as infinitas dificuldades com criatividade e uma energia para trabalhar que conservou até a morte.

Mas há um abismo considerável entre a Dercy da minissérie dirigida por Maria Adelaide Amaral e a Dercy biografada pela mesma sMaria Adelaide Amaral.

Mesmo narrando a própria vida com satisfação,  Maria Adelaide optou por escrever o livro em primeira pessoa, o que nos passa a sensação de estar ainda mais perto da atriz -, é impossível não perceber que existe uma mágoa no seu discurso, que não remete à raiva, mas, sim, à tristeza.

A Rede Globo optou por um programa de entretenimento, como já era de se esperar, e focou, sobretudo, no lado cômico da artista, priorizando não só seus momentos no palco, mas também episódios cômicos da sua vida.

Em muitos, inclusive, exagerando e recriando. Certamente, ser lembrada por seu trabalho, sua comicidade e sua luta, pela ótica que revela uma brava heroína, fosse o que a própria Dercy preferisse.

Aliás, esse recorte tem sua parcela de verdade, mas é apenas um recorte – assim como a biografia também não passa de um recorte triado pelas próprias lembranças da atriz e moldado pela percepção da escritora.

O que, no entanto, é inegável, é que a Dercy do livro é muito mais complexa e passou por situações que o público da TV nem desconfia.

Aproveitando o momento de visibilidade da artista e o relançamento de Dercy de cabo a rabo, em edição revista e ampliada, pela editora Globo, vale apontar algumas razões para conhecer melhor essa história:

 Desde sua origem, a vida lhe foi difícil. Sua família, aliás, serve como boa radiografia dos nossos valores naquele tempo e que até hoje não mudaram satisfatoriamente. Um pai autoritário, uma mãe traída, irmãs recatadas, muitas das quais se empenharam em casamentos infelizes, mortes precoces, moralismo, falta de diálogo e incompreensão.

Ao contrário da representação cômica que a minissérie deu para as incursões de Dercy na análise, a terapia foi muito importante para ela tomar consciência de vários traços de sua personalidade e da forma como agia, ainda que não tenha servido para mudar isso.

O tratamento permitiu que ela revisitasse a infância e entendesse melhor o seu próprio percurso, além de ter colaborado para que se tornasse uma pessoa menos bélica.
Também foi através da psicanálise que descobriu que era cleptomaníaca.

 Mesmo que tenha lançado luz sobre o Teatro de Revista, gênero em que a atriz se destacou, e aos locais frequentados por ela no início de sua carreira, a retratação que a TV fez desse universo em que estava inserida, de lugares como a praça Tirantes, ficaram muito aquém de tudo que é apresentado no livro, sobretudo pela brevidade do programa televisivo e por suas opções estéticas que, aliás, foram as mais clichês possíveis.

 A atriz enfrentou dificuldades pontuais que vão além da mera reprovação. Estava na Venezuela quando ocorreu uma revolução e golpe, em 1948, e ficou sem ter como voltar para o Brasil (uma de suas girls ficou como cárcere do General Marcos Péres Jimenez quando a companhia partiu); foi estuprada, com mais de 70 anos, por um proprietário de um jornal de Londrina; levou o maior susto nos Estados Unidos por ter aceitado um convite de um ex-jogador do Fluminense que, junto com uns amigos barra pesada, levou a atriz para um galpão em uma área deserta de Nova Jersey.

Com uma frase, ela sintetiza bem a sua postura diante de fatos como esses: “levei muitos sustos, mas procurei não sofrer”.

Teve 1 filha, fez 8 abortos e não se arrependeu de nenhum deles. Criou sua menina com muito empenho, mas sabia que não tinha estrutura financeira e emocional para ter muitos filhos.

Também sabia que colocar crianças no mundo sem a pretensão de dar suporte era convidá-las a uma existência de sofrimentos e dificuldades, afinal vinha de uma família de muitos irmãos, pouca assistência e nenhuma estrutura.

Há quase um século atrás, Dercy defendia que só ela iria decidir sobre a sua vida e, na vanguarda da discussão, já não queria saber do Estado atuando no controle dos corpos.

A morte demorou a alcançá-la –morreu com 101 anos, em 2008 -, porque ela não dava brecha.

Não remoia sofrimento, nem achava que violências ou doenças poderiam ser mais fortes que ela. Enfrentou um câncer como se fosse uma gripe, fez o que tinha de ser feito e não pensou em nenhum momento que não sobreviveria.

Aliás, aos 87 anos, quando narrava sua vida para Maria Adelaide, a atriz declarou: “A morte, pra me pegar, vai ter que correr muito atrás de mim. Ou tem que esperar o espetáculo acabar”.Correu muito ainda, mais de 14 anos.

 Fonte:

http://www.revistacontinente.com.br

3 comentários:

  1. Olá Josi tudo bem?

    Menina que grande postagem aqui hein! Parabens! Você procurou bem pra saber o que estava escrevendo. Muito bom!

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  2. realmente, a globo quer fazer uma enorme lavagem cerebral nas pessoas, apagando as verdadeiras histórias dos atores que realmente contribuíram para a televisão brasileira.

    depois passa lá:
    http://thebigdogtales.blogspot.com/2012/01/lobisomens-persas-origem-3-parte.html

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  3. Ótimo texto, com uma óptica bem diferente msm do que foi mostrado, infelizmente a emissora quis lucra com a comedia e deixou o drama da vida real de lado.....interessante texto!!!!!!!

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